História

No triângulo Kurussa - Niani - Niagassola, entre Guiné e Mali, no oeste da África, desenvolveu-se um grande império que obteve grande expansão, tornando-se o maior e o mais prestigiado império africano da Idade Média – O Império Mandinga ou Kendê-Mandê. Os mandingas chegaram do Leste e instalaram-se em três províncias: O país de Do, o Kiri e Ba-ko e formaram uma confederação de clãs onde podemos citar de entre eles os Camará, Traorê, Condê, Kurumá e Konatê, etc. Após uma longa hegemonia, primeiro dos Camará e depois dos Traorê, os Konatê dominaram a região, e é com uma ramificação deste clã, os Keita, que se inicia o Império, sob o comando de Sundjata Keita (1205 – 1255).
 
São de origem Mandinga os grupos étnico-linguísticos : Malinkê, Bambara, Dioula, Bobo, Sussu, Soninkê, Bozo, Bisa, Kuranko, Tomã, Mende, Tura, Dan, Koniakê, Guerzê, Manon, Kpelê, Gouro, Ligbi, San, Busa, Way e Gagu. Os três primeiros dessa lista possuem diferenças linguísticas minimas e são considerados os “fundadores” de todo o tronco Mandinga.
 
A música e a dança estão presentes em todas as cerimonias Malinkês e na maior parte das reuniões populares até os dias de hoje, onde se unem e transformam numa só manifestação, simbiótica e alegre.
 
O djembê é um tambor em formato de cálice, feito de um tronco de madeira escavado (originalmente o Lenkê). É originário dos Mandingas, mas não há uma precisão de datas e há várias histórias e lendas sobre a sua invenção. Alguns asseguram que foram os ferreiros/engenheiros (Numu), a partir de abrangentes necessidades de comunicação e manutenção social. E o seu formato é assim pois dizem que foi feito a partir de um pilão... Já passou e continua a passar por diversas evoluções e transformações de formato e na montagem. A sua afinação passou a possibilitar frequências sonoras extremamente agudas, devido à chegada das cordas sintéticas, dos aros soldados, e das ferramentas que auxiliam a “puxada da pele”. Existem relatos de antigos djembês com cravelhas como as do Sabar e djembês afinados com cunhas, como atabaques. Se compararmos gravações antigas (de 1930 a 1950) com as mais recentes (a partir do fim da década de 50 e início de 60 até hoje) vemos que os djembês tinham uma afinação muito mais baixa.
 
A grande força do djembê é o seu conceito de “falar”, onde a personalidade do músico, sua educação, sua cultura e seu conceito de mundo ficam em evidência, uma vez que os Malinkês, um dos principais grupos étnicos dos mandingas, são considerado como “Pessoas da Fala”. Dão grande importância à colocação das palavras. Os djembefolás (pessoas que fazem o djembê falar) foram sempre considerados "homem de nada" (mófu), o mais baixo na hierarquia dos instrumentistas, sendo que até hoje eles podem sofrer a repulsa dos pais de suas futuras noivas. Estes só começaram a ganhar destaque na Guiné e depois internacionalmente com a revolução do presidente Sekou Touré, que recrutou os melhores artistas de cada aldeia e etnia e patrocinou inúmeros grupos de música Pop no formato de Big Bands (22 pessoas ou mais) assim como balés regionais e os de porte internacional.
 
Atualmente os djembefolás são responsáveis por um turismo cultural intenso na Guiné, onde muitos são respeitados como heróis nacionais e vivem muito bem no exterior, voltando periodicamente para ministrar seus workshops e movimentar a economia guineana.
 
São vários os tipos de madeiras utilizadas para a construção de um djembê:
  • LENKE ( Afzelia Africana), também conhecida como LINGE, DANGA, DANGAN ou DAGAMBA;
  • DUGURA (Cordylla Pintada), ou DOGORA;
  • JALA (Cailcedra – Khaya Senegalensis) ou DIALA;
  • KASSIA (Cássia);
  • BALEMBO (Crossopterix Febrifuga);
  • BEMBE (Lannea Acida);
  • GUÉNI. GBEN;
Porém as mais comuns são:
  • LENKE, madeira dita como original do djembê: é uma madeira amarelada, que tende a escurecer com o tempo e que possui um cheiro bem característico - é considerada, por muitos, como a melhor para djembê;
  • DIALA, de cor avermelhada, também muito utilizada para o djembê;
  • GBEN, madeira escura e bastante dura, utilizada também em Balafons e Dununs;
 
A preferência pelo tipo de madeira varia de acordo com a região e a disponibilidade. A madeira de Lenke é a preferida também por haver uma crença sobre ela conter uma forte espiritualidade, onde os africanos têm de pedir licença para o espírito da árvore ou esperar que ele tenha saído antes de cortá-la, isso é feito com o auxílio de um oráculo. Se o espírito responder positivamente, ele protegerá o músico por todo o tempo em que ele tocar o djembê. Se a resposta for negativa outra árvore tem de ser consultada.
 
Existe um forte vínculo entre o músico e o seu instrumento. Em tempos antigos, um músico costumava manter seu instrumento por anos e anos, sem que ninguém pudesse tocá-lo.
 
As peles usadas são de cabra ou antílope, tratada ou não, umidecida, ressecada e colocada sobre a extremidade superior do corpo do djembê (ou a boca), usando, para isso, cordas pré-estiradas e alguns anéis de ferro, que prendem as cordas em três locais diferentes do djembê. Antigamente podia-se usar peles de antílope, hábito esse extinguido, hoje, por razões óbvias. Antigamente as cordas usadas eram de couro por isso os djembês eram mais graves.
 
O djembê pode ser adornado com o que chamamos de “orelhas“, que são placas de metal cortadas nesse formato com anéis a toda a volta e que se fixam por um pequeno braço de metal, geralmente por entre as cordas do mesmo. Em Mali chama-se Sekeseke ou Segesege, na Guiné Sesse e em alguns lugares Kesekese. Também encontramos belos djembês com trabalhos artísticos esculpidos em seus corpos, cordas coloridas ao redor das cordas de afinação, além dos “pés“ e outros adornos, que variam de acordo com a criatividade do músico.
 
Os malinkês dançam e tocam em diversos contextos e com propósitos específicos. São inúmeras as situações que ocorrem as danças e, muitas vezes, respeitam uma sequência conforme o contexto: circuncisões, batismos, iniciações, festas cotidianas e/ou periódicas, casamento, trabalho no campo, clã e profissões, teatro ou circo de animações, medicamentos, associações de mulheres, grupos de meninas, máscaras, etc... Na tradição malinkê, a dança dos homens está ligada ao trabalho e à força física, demonstrações de coragem e agilidade, animações e também às representações das atividades profissionais (caçador, pessoa que faz circuncisão, guerreiro, griot, etc...).
 
A dança do Dunumba é uma das mais importantes e antigas. É conhecida como dança dos homens fortes, onde estes formam fileiras que percorrem todo o “Bara”(terreno circular com uma grande árvore ao centro). Os mais velhos ficam na circunferência maior e quando mais nova a geração, mais ao interior vai ficando. O “Barati” é grande dançarino, chefe do Bara e utiliza uma roupa diferenciada dos outros com diversos acessórios (cachimbo, escudos nos braços, pele animal) e fica sozinho na circunferência mais externa do Bara. Qualquer fila pode “puxar” um aquecimento, fazendo com que os atentos músicos os acompanhem nas suas respectivas partes musicais, dando o blocage (clichê) quando estiverem relativamente perto dos tambores.
 
Os jovens dançam no período em que são preparados para a circuncisão, e na retirada da máscara, mas acompanham todos os eventos da aldeia, dançando, brincando e, principalmente, quando fazem a própria música com latas de diversos tamanhos, reproduzindo os ritmos e as danças de maneira “autêntica”.
 
a TRADUZIR......
 
A dança das mulheres está ligada à expressão de sentimentos, liberação de tensões, manutenção da auto-estima e do espírito de grupo. Todas as vezes que dançam é ao som do set de percussão dos djembês e dununs, havendo assim uma relação do djembê com as mulheres : “O Djembê chama as mulheres”. As danças tradicionais contêm passos específicos para cada ritmo, sem chegar a grandes quantidades como nos balés. Ex. Djagba é dançado em roda, com um passo padrão, havendo dois tipos de esquentamento. As danças de griot possuem um caráter um pouco mais “performático”, e são classificadas em danças leves ou acrobáticas onde realizam um tipo de esquentamento onde a cabeça, tronco e cintura giram no próprio eixo, enquanto os pés se deslocam lateralmente.
 
As meninas têm danças específicas como os Dendon (Denabem dunum, Denabó, Dabadialadjidi, Soliulen, Kawa, que possuem uma grande variedade de passos), os grupos de cabaças, os Dja femininos direcionados às situações de casamento e flerte, e a saída de máscara das meninas. Mulheres e meninas dançam em todas as Maninka Foli (Festas Malinkê) e mesmo que nenhuma festa ou evento esteja previsto podem, a qualquer momento, pedir para que os músicos toquem para elas, sobretudo nas noites de luar.
 
Classificam-se as danças da capital Conakri em três estilos diferentes: as danças dos grupos étnicos, as danças dos balés e as danças de rua.
 
As danças dos grupos étnicos (Sussu, Malinkê, Pêuhl, Kissí, Bága, Tomá, Guerzê, Landouma, Lelê) são aquelas que se realizam em festas ou eventos próprios de cada etnia e se aproximam em maior ou menor grau do que realmente acontece na região de cada povo, mas ainda assim estão mais perto do que os outros dois estilos.
 
As danças dos balés são modificações, recriações de todas as manifestações culturais das etnias da Guiné, em constante evolução. Desde os tempos da independência (1958), os balés são o “cartão de visitas” da Guiné, sintetizando todas as etnias e resultando num espetáculo bastante diversificado. Geralmente, os balés ensaiam cinco dias por semana, e buscam a perfeição na execução das coreografias pré-definidas, com momentos de improvisação dos dançarinos, nos ritmos Dunumba, Konkoba Sussu, Mendiani, Soko Chaud, Classic, etc....Existe uma relação de troca muito grande com o estilo de rua, pois um estilo potencializa o outro, onde o que é feito na rua de inovador é trazido para os balés e o que é feito nos balés também é levado para as ruas.
 
As danças de Rua acontecem geralmente em festas de artistas, Dunumbas de rua, Sabar ou ainda festas contratadas por pessoas que querem música e dança da capital. Artistas de diversos balés se encontram e ganham um pouco de dinheiro nesses eventos, que são exatamente o que eles mais buscam; intercâmbio de técnicas, práticas e aperfeiçoamento das próprias qualidades, entretenimento e conquista de novas amizades. Nestas festas, prevalece a dança individual de improvisação, mas alguns momentos mágicos são coletivos, por exemplo quando se reproduz um pouco da dança do Dunumba em fila circular, ou ainda as freqüentes finalizações de esquentamentos com três até dez pessoas, quando os dançarinos se empolgam com a bela dança individual de alguém. Todos ajudam no bom andamento da festa, sendo que os músicos solistas se revezam e há um organizador da dança, geralmente um diretor artístico de um balé ou um dançarino muito prestigiado que entrega um lenço para a pessoa saber que é sua vez de ir dançar; dentro da brincadeira, alguém que tenta “furar a fila” é barrado pelo organizador e alguns auxiliares. É comum nas aldeias, balés e festas de rua se dar dinheiro pessoalmente, mesmo durante a dança, para os dançarinos que te agradam e periodicamente para os músicos, que possuem uma bandeja aos pés ou na mão de um auxiliar. O djembefolá solista também pode receber pessoalmente, colocando-se o dinheiro na cinta que segura o djembê, em sua camisa, no chapéu, ou ainda as pessoas podem até afixar em sua testa uma nota de valor mais alto.
 
Os Malinké utilizam-se de toda a gama de instrumentos do oeste africano: balafons, flautas, kora, koni, bolon, etc... Os djembês são acompanhados por um conjunto de tambores, chamados de dununs. Na tradição malinkê quase sempre são três. Pois dependendo da região, podem ser dois, um ou até nenhum, só djembê no caso.
 
Os três Dununs são, de acordo com suas “vozes” (dadas pelo tamanho de cada), em ordem crescente: Kensedeni ou Kenkeni, Sangban e Dununba, como visto na foto acima.
 
Eles levam acoplados em seu corpo um ferros, chamados de kenken, semelhantes ao agogô, mas ele contém uma só boca e é aberto nas laterais. Eles são percutidos por uma baqueta de ferro, ou seja, ferro no ferro, soando harmônicos em frequência aguda, que acompanham as melodias dos tambores.
 
Os bons professores de djembê sabem dizer exatamente cada célula de cada Dunun e executá-las (ele pode não ser um exímio “dununfolá”- pessoa que toca Dunun ou que “faz o Dunun falar”- mas tem que saber o básico) corretamente em cada ritmo.
 
Num grau bem alto de desenvolvimento eles podem conversar com o djembê solista, entre eles e até solar. Por vezes os solos são as variações de cada ritmo.
 
Na Guinné (principalmente) muitos solistas de djembê (até músicos que tocam quase que somente as bases) passaram anos tocando também os Dununs, é uma obrigação saber tocá-los, conhecer seus ritmos e variações, que são muitos. Isso sem dizer dos músicos solistas de djembê, que passam anos só tocando acompanhamento (como o conhecidíssimo Mamady Keïta).
 
Muitas pessoas que se interessam pelo Djembé e seus ritmos, não fazem idéia do valor cultural e das complexidades rítmicas, técnicas, sociais e políticas que estão por detrás da sua História na África.
 
Os ritmos do povo Malinké não estão apenas ligados a uma rica cultura, eles também contam a história dela. Pelo fato de os ritmos africanos tocarem tanto as pessoas no nível físico – sensual, é fácil esquecer que, mesmo hoje, o conceito estereotipado de “percussão selvagem de tribos indígenas primitivas“ ainda é firmemente vívido nas mentes da grande maioria das pessoas do ocidente.
 
O djembê se popularizou tanto pelo mundo nas últimas décadas que já é muito comum encontrá-lo num ‘set’ de percussão de qualquer percussionista. O que atrai é sua versatilidade nos timbres, agudos, médios e graves. Porém o desconhecimento de sua técnica, origem e história, fazem de alguns músicos, maus usufruidores desse rico instrumento.
 
O fato de grandes mestres de djembê e da cultura mandingue, como Famoudou Konatê, Mamady Keïta, entre vários outros e seus ‘discípilos’, estarem rodando o mundo ensinando sobre sua cultura é muito importante que eles ‘mantêm a tradição’, como eles mesmos dizem, e para nós que temos a possibilidade de conhecer a cultura de um povo que tem muita história pra contar, cantar, dançar e tocar.